Ocupação à vista na Avenida Brasil


O Dia, Christiana Nascimento, 25/mar

Nos seus 58 quilômetros, a Avenida Brasil acumula potencial para voltar a ser um grande centro comercial e chamariz para empreendimentos residenciais populares. É essa a aposta da Secretaria Municipal de Urbanismo, que elaborou projeto para alterar os parâmetros da região, de olho na revitalização da via, hoje considerada retrato do abandono social e da migração econômica, ao longo de duas décadas, provocados pela violência. A finalidade é, entre outras coisas, alterar a legislação que restringe grandes trechos de Campo Grande e quarteirões de Irajá, Penha e Bonsucesso - na parte que dá margem à via - a construções predominantemente industriais.
Os quase 60 km da Avenida Brasil se transformaram em depósito de galpões | Foto: Carlos Eduardo Cardoso / Agência O DiaSe a proposta for aprovada na Câmara de Vereadores, essas localidades poderão ter concessões de licença para casas, comércios e moradias mistas. "O projeto está dentro dos padrões de política que desenvolvemos para incentivar a Zona Norte. Existem regiões ao longo da Avenida Brasil em que não se pode construir moradias. Se a prefeitura mudar isso, vamos revitalizar uma região que há anos estava completamente abandonada pelo poder público", explica o secretário municipal de Urbanismo, Sérgio Dias.
A proposta é aproveitar espaços onde hoje estão galpões vazios e transformá-los em locais para futuros empreendimentos. "Neles, podem ser construídas edificações dentro de padrões urbanísticos legais. A consequência disso é que toda a região começará a sofrer um processo de crescimento. Primeiro é uma casa, daqui a pouco é um comércio, depois vem uma loja e, de repente, o local começa a gerar sua própria economia", raciocina Dias.
Enquanto o projeto ainda ganha ajustes para ser levado a votação, moradores esperam que a medida saia do papel. "Isso é um drama para a gente, porque esse galpão virou um enorme foco de dengue a céu aberto. Certa vez, eu entrei para pegar uma pipa e contei 20 poças num dos andares. Fora os ratos e baratas que saem dos entulhos e correm para a nossa casa. Vejo isso como um elefante branco sem futuro", conta o ambulante Carlos Ricardo da Silveira, 57 anos, que mora ao lado do que sobrou da fábrica Rheem Metalúrgica, no bairro de Benfica. "Não invadiram novamente porque colocaram um segurança. Mas se tirar o vigia, isso aqui vai se transformar numa favela do dia para a noite", reclama a cozinheira Aparecida Nunes, 37.
Moradias populares para as margens da Brasil já estão em negociação. Entre os três condomínios dos quais a prefeitura vai entrar como parceira, um deles, o Recanto da Natureza, na altura de Campo Grande, já foi contratado pela Caixa Econômica Federal. Serão 384 unidades habitacionais para famílias com renda de até três salários mínimos (R$ 1.530). A previsão é que os prédios fiquem prontos em 15 meses. Os outros, os condomínios Vila Verde, em Santa Cruz; e Residencial Califórnia, num dos acessos da avenida ao bairro Bangu, ainda estão à espera de licença para começar as obras. Eles terão 160 e 498 apartamentos, respectivamente.
O presidente do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea-RJ), Agostinho Guerreiro, apoia a iniciativa da prefeitura, desde que ocorram audiências públicas para discutir as mudanças: "A participação dos beneficiários é essencial para que esse processo dê certo. A qualidade da habitação melhorou, mas continuam problemas básicos como segurança, ensino, saúde, transporte público e lazer. É importante que instituições credencias também participem dessas discussões".
Mudanças urbanas em vários bairros do Rio
As mudanças de parâmetros urbanísticos têm sido uma constante na gestão Eduardo Paes. Recentemente, ele encaminhou projeto para Câmara de Vereadores que prevê aumento do gabarito das construções na Penha, Penha Circular e Brás de Pina. Atualmente, são permitidos apenas quatro pavimentos. A alteração é para que chegue a oito andares. Para o Corredor Cultural do Centro do Rio, foi aprovado projeto que permite construções maiores. Dois espigões devem ser levantados próximo aos Arcos da Lapa. A região de Vargem Grande também ganhou novas regras para adequação aos Jogos de 2016.
Painéis acústicos geram polêmica
A Avenida Brasil não é a única via expressa que vai mudar de cara. A Linha Vermelha está recebendo barreiras acústicas, com pinturas que serão modificadas com o passar do tempo. A próxima a receber os painéis é a Linha Amarela. O objetivo, segundo a Prefeitura do Rio, é oferecer espaço para artistas das comunidades às margens das pistas, que fazem as ilustrações. O novo 'adereço' já levanta polêmica.
Na Linha Amarela, que ganhará a proteção de som no mês que vem, os desenhos serão definidos a partir de um concurso a ser divulgado. A Lamsa, concessionária que opera a via, realizará oficinas de arte. Na Linha Amarela, serão 7,6 quilômetros de 'telas', ao custo de R$ 20 milhões.
Instaladas sob o pretexto de proteger a população de favelas do barulho dos veículos, o novo 'adereço' já levanta polêmica. Presidente do Instituto de Defesa dos Direitos Humanos do Rio, João Tancredo disse que a entidade estuda entrar com ação contra o município e a Lamsa, pois considera que o projeto exclui ainda mais as comunidades carentes da cidade. Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, deputado Marcelo Freixo classifica a iniciativa de "carregada de cinismo". "O governo municipal quer, na verdade, esconder a miséria que parte da sociedade não quer ver", resume.
As barreiras estão previstas para ficar em frente às comunidades do Caju, Complexo da Maré, Bonsucesso, Del Castilho e Inhaúma, além da Cidade de Deus.
Colaborou Francisco Edson Alves