Rio tenta conter caos nos transportes


29/4/2010
Folha de S.Paulo

A seis anos de sediar uma Olimpíada, o Rio inicia a implantação do bilhete único municipal e tenta conter o potencial de piora nos engarrafamentos, que supera o prognóstico de São Paulo. A falta de integração e qualidade no transporte público soma-se ao aumento na frota de carros e motos, superior à capital paulista.
   
O metrô carioca tem frequência de trens do subúrbio paulistano, a ferrovia urbana aguarda investimentos atrasados em 12 anos, e ônibus circulam em excesso e mal distribuídos pela cidade.
   
Sentada num ponto de Copacabana (zona sul), a doméstica Maria Inês da Silva, 53, assiste toda noite ao desfile de ônibus na avenida Princesa Isabel.
   
Num intervalo de dez minutos na noite do último dia 12, segunda-feira, passaram 34 ônibus. Nenhum lhe serviu: 27 atravessaram a zona sul em direção ao centro ou, no máximo, à área de classe média da zona norte -até Vila Isabel. Coletivos da mesma linha passaram ao mesmo tempo no local.
   
Moradora de Bonsucesso, subúrbio da zona norte, a doméstica precisa aguardar mais de meia hora por sua condução. Ela opta por esperar ainda mais para conseguir viajar sentada.
   
"Não tenho mais idade para me empurrar e tentar entrar num ônibus", diz ela. Pela manhã, ela diz não poder se dar a "esse luxo" e entra no coletivo lotado para não atrasar a chegada ao trabalho. "Passam três ou quatro tão entupidos que nem param", afirma.
   
A abundância de ônibus em alguns trajetos não significa ordem. Para parar os coletivos, passageiros entram na pista para chamar os ônibus que trafegam distantes do ponto onde deveriam parar. Enquanto a reportagem conversava com Maria Inês, dois rapazes quase foram atropelados ao tentar entrar num veículo distante do meio-fio.
   
De acordo com especialistas, a atuação do poder público no planejamento e no investimento do setor é tímida.

A capital possui mais de 900 itinerários para cerca de 8.000 ônibus que circulam mal distribuídos pela cidade -25% de excesso na frota, diz a Secretaria Municipal de Transporte. Empresas incham áreas mais ricas, como a zona sul, enquanto faltam veículos nas mais pobres e distantes.
   
O gasto excessivo com a disputa faz com que 16 das 41 empresas de ônibus ofereçam serviço de baixa qualidade, segundo dados da secretaria. Atendem a população com veículos quebrados, transitando em alta velocidade e até deixando de recolher passageiros.
   
O uso do transporte público (74% das viagens) é considerada alto por especialistas. Mas o que para as autoridades mostra "confiança" da população no setor é, para eles, reflexo da condição econômica. Com a melhoria da renda, inicia-se a fuga para o transporte individual.
   
Entre 2001 e 2010, a frota de automóveis no Rio subiu 34% -contra 24% em São Paulo. No caso das motos, houve uma explosão de 151%.
   
"O usuário de moto é o antigo usuário de transporte público. O crescimento dele é perigoso", diz Eleonora Pazos, representante da Associação Internacional para o Transporte Público na América Latina.
   
De acordo com estudo da Firjan (Federação das Indústrias do RJ), os engarrafamentos em horário de pico já somam 94 km, contra 55 km em 2003. Sem investimentos, chegariam a 184 km em 2016, ano da Olimpíada na cidade.
   
Na avaliação de especialistas, o cenário atual é fruto da ausência do poder público em planejar e fiscalizar o setor.


Falta de dados


Apenas 60 funcionários fiscalizam o serviço dos ônibus, responsável por 77,5% das viagens na região metropolitana.
   
A prefeitura pretende, neste ano, licitar e reorganizar as linhas de coletivos, mas reconhece a completa falta de dados para planejar o transporte.
   
"Não havia um banco de dados de qualidade para apoiar o planejamento", diz o secretário de Transportes, Alexandre Sansão, que lança amanhã o edital para a disputa.
   
Apontados como a melhor opção para o transporte nas grandes cidades, metrô e trem respondem só por 8,6% das viagens e sofrem com o atraso de 12 anos de investimentos.
   
O Estado exige que o metrô circule com intervalos de cinco minutos e 30 segundos, semelhante ao praticado por trens em SP. A frota é a mesma desde 1998, mesmo com expansão de 27,5 km para 36,9 km da malha.
   
"O Estado não deixou a gente praticar cinco minutos e meio porque é bonzinho. É porque cresceu a linha, mas não o número de trens", diz Joubert Flores, relações-públicas do Metrô.
   
A Supervia, por sua vez, opera com quase um terço dos trens (30%) inadequados, o que torna o sistema pouco confiável. A empresa se ofereceu para participar de um plano de investimento, pela renovação da concessão.
   
Para o engenheiro Cláudio de Senna Frederico, a maior deficiência no Estado é a "ação medíocre" do poder público.
   
"O transporte público no Rio é quase todo privado. No fundo, falta uma coordenação."


Frase

"Não tenho mais idade para me empurrar e tentar entrar num ônibus (...) Passam três ou quatro entupidos que nem param"

MARIA INÊS DA SILVA, 53