Assoreada, Baía de Guanabara perde até 3 cm de profundidade por ano para o lodo




POR DIEGO BARRETO - O Dia - 04/09/2010



Rio - Os primeiros raios de sol na Praia da Piedade, em Magé, sinalizam a hora de chegada e partida no pequeno cais. Apressados, pescadores empurram pequenas embarcações Baía de Guanabara adentro, enquanto outros atracam após uma noite inteira de trabalho. Dentro de pouco tempo, o mar vai secar e dezenas de barcos ficarão presos na lama.


Cansado depois de horas no mar, o pescador de siri Nilton Gomes, 49, recolhe numa caixa o resultado: menos de 10 quilos do crustáceo. Ele pula da canoa e, como se fosse terra firme, caminha sobre o lodo que já toma o lugar da água numa faixa que se estende por quase um quilômetro pela Baía.

“Passo a noite inteira para tentar pegar 10 quilos. Vendo cada quilo por R$ 1,50. O mar está secando, e os siris, sumindo. Além de pouco pescado, com essa lama na Baía, ficamos horas com os barcos presos até a maré subir. Só pescamos por algumas horas. No mar, agora a gente anda”, desabafa o pescador, que faz pequenos serviços para garantir o reforço da renda, que aos poucos parece secar como o mar.


A cena impressionante se repete em outros pontos da Baía de Guanabara, que, passados 15 anos do seu programa de despoluição, o PDBG, ainda recebe o despejo de 70% do esgoto doméstico sem tratamento de 16 municípios, num volume de 25 mil litros por segundo. Além do esgoto, lixo e resíduos industriais contribuem para o assoreamento — acúmulo de sedimentos no fundo da Baía — que, segundo especialistas, reduz até 3 centímetros ao ano sua profundidade. Pescadores relatam que hoje é possível caminhar, em pontos que antes tinham mais de 5 metros de fundo.


Baía reduzida a dois palmos


A Baía de Guanabara rasa alterou a rotina de quem tira dela o sustento. Os pescadores Fernando Rodrigues, 45, e José da Silva, 54, contam que a única forma de capturar os peixes é com o auxilio de currais (armadilhas de bambu fixadas no lodo que aprisionam os peixes). “Com rede de arrasto, as únicas coisas que vêm são lixo e lama”. Mesmo estando cerca de cinco quilômetros longe da Praia da Piedade, Fernando pula do barco e, com o mar abaixo da cintura, chega a um dos currais para iniciar mais um dia de trabalho.


“Aqui a profundidade já foi de mais de 5 metros. Agora, quando a maré seca, a gente fica encalhado com o barco na lama”, conta Fernando, que desde menino trabalha no mar e, aos poucos, viu a variedade de peixes diminuir. “Antes pegava arraia, linguado, pescada-amarela, muito camarão. Agora só vem tainha e corvina, os únicos peixes que sobrevivem na lama. Pegava até 100 quilos, hoje não vem nem 30, que vendo a R$ 3 cada”.


Na Praia de Tubiacanga, Ilha do Governador, o pescador Robson Beltrão Nascimento, 32, precisa desligar o motor e usar remos. A lama reduziu a Baía a dois palmos. “Tive que abandonar a pesca e trabalhar em obra. Não estava mais conseguindo levar pão para minhas filhas. Ainda saio para o mar porque ele está na minha alma, mas não pego nem 10 quilos de peixe. Para viver do mar, só indo para fora da Baía”, diz.


Zona morta, com zero de oxigenação


Diretor de Conservação da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, Bráulio Dias classifica a Baía como uma ‘zona morta costeira’ — área onde a quantidade de oxigênio disponível é menor do que 0,2 mililitro para cada litro d’água. “A Baía de Guanabara é uma das áreas mais degradadas da costa brasileira”, conclui.


Coordenador do programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração da Guanabara, Jean Valentin, professor de Biologia Marinha da UFRJ, explica que o assoreamento da Baía é resultado de problemas ao longo de décadas. “Aumento demográfico no entorno, desmatamento da bacia demográfica, com o carregamento de sedimentos para a Baía, e o aumento do lançamento de efluentes domésticos provocam a diminuição da coluna (profundidade) e do espelho (extensão) d’água”, detalha.


E explica: “Esse material orgânico acumulado pode levar o nível de oxigenação a zero em alguns pontos, tornando impossível a vida. Estima-se que a camada de sedimentos depositados no fundo da Baía Guanabara aumente até 3 cm por ano. Isso é preocupante, porque, em 50 anos, teremos um metro ou mais de lodo”.


O professor Marcelo Viana, do Laboratório de Biologia e Tecnologia Pesqueira da UFRJ, conta que, com base em relatos históricos de naturalista e pescadores, algumas espécies de peixes não vivem mais na Baía. “Sardinha-verdadeira, linguados, pescadas grandes, camarões e as garoupas já não são mais frequentes como eram”.

Raio-X

Superfície: 381 quilômetros quadrados de espelho d’água


Volume: 3 bilhões de metros cúbicos de água. Cada metro cúbico equivale a mil litros


Perímetro: 131 km


Profundidade máxima: cerca de 20 metros — na área conhecida como ‘canal de entrada da barra’, entre o Pão de Açúcar e a Fortaleza de Santa Cruz, em Niterói


Praias: 53


Bacia hidrográfica: 4.081 quilômetros quadrados de superfície onde estão os 55 rios que drenam suas águas para a Baía


Municípios no entorno: 16


População no entorno: 15 milhões de pessoas — 70% da população do estado


Idade: Especialistas estimam que a Baía tenha se formado há cerca de sete mil anos, após o fim da última era glacial

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