Ruína aos pés do Cristo

23/07/2013 - O Globo

Em estilo neocolonial, o casario do Largo do Boticário, do século XIX, está abandonado e as promessas de revitalização ainda não se concretizaram -Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo

RIO - Aos pés de um dos símbolos da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e de um ícone nacional, o Cristo Redentor, um bairro que clama por socorro há anos. No Cosme Velho, principal acesso ao Corcovado e que já foi um dos endereços mais nobres da cidade, a desordem urbana e o abandono de parte do patrimônio histórico têm se sobressaído em meio ao clima bucólico que, apesar de tudo, resiste. As propostas de soluções já foram muitas, algumas cercadas de polêmica. Mas ainda estão longe de resolver problemas que se arrastam, como as calçadas estreitas e esburacadas, a degradação do Largo do Boticário, o trânsito pesado e as dificuldades de turistas se acharem em meio a toda a confusão. Entre os moradores, a chegada da JMJ aumenta as dúvidas se a infraestrutura do lugar suportará os milhares de visitantes que estão na cidade para o evento. E é comum ouvir que a região, com 7.178 habitantes segundo o Censo 2010 do IBGE, precisa de um "choque de investimentos".

Os motivos da cobrança são logo percebidos. Na Praça São Judas Tadeu, ao lado do ponto de partida do trenzinho do Corcovado, jardins malcuidados e estacionamento irregular são o cartão de visita para os turistas. Muitos ficam perdidos, sem saber que ônibus pegar para outras áreas da cidade. O que levou moradores a fazerem o papel da prefeitura, espalhando pelo bairro avisos com os itinerários das linhas. O empresário Rodrigo Pieruccetti cuidou do ponto em frente à sua loja.

— Como na parada não há informações sobre as linhas que circulam por aqui, a todo momento vinha um turista me pedir ajuda. Decidi, então, pôr a placa, em inglês e português. Os garis da Comlurb ainda tentaram levá-la, por não se tratar de um mobiliário urbano oficial — conta Rodrigo, que indicou até que baldeação fazer para quem quiser sair dali rumo ao Pão de Açúcar.

Uma preciosidade do Rio, o Largo do Boticário, com seu casario em estilo neocolonial do fim do século XIX, é outro retrato do descaso. Os turistas vão visitá-lo para fazer fotos e saem com indisfarçada frustração.

— Com certeza é um recanto lindo. Mas achei que estivesse mais bem cuidado. Talvez mais gente viesse aqui se o lugar estivesse preservado — disse Maristela Gomes, turista de Pernambuco.

Os próprios moradores resistem a frequentar o largo, como o aposentado João Batista, de 80 anos, 55 deles no Cosme Velho. Além da degradação do casario, ele assistiu às consequências do abandono do Rio Carioca, que passa ao lado e deu nome ao povo da cidade, tendo sido fundamental no abastecimento do Rio — amostras de suas águas chegaram a ser vendidas em farmácias por se acreditar que tinham propriedades especiais.

— É uma pena. Antigamente, o Carioca tinha cheiro de flores, era límpido. Mas hoje restou a sujeira e o cheiro de esgoto — dizia João Batista, enquanto pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz colhiam água do rio para um estudo sobre bactérias resistentes a antibióticos.

Embora algumas casas (as de número 20, 26, 28 e 30) tenham sido desapropriadas pela prefeitura em março, elas ainda respiram decadência. Num processo de degradação que já dura décadas — até com episódios de invasões — algumas construções parecem ruínas, com as belas fachadas coloridas descascadas e telhados caindo aos pedaços.

Quando saiu o decreto de desapropriação, o prefeito Eduardo Paes havia dito que os imóveis seriam alvo de uma licitação para a escolha de uma rede hoteleira disposta a criar hotéis de charme. Presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, Washington Fajardo explica que, no momento, o casario está sendo avaliado pela Procuradoria do município, enquanto está na Câmara dos Vereadores um projeto para flexibilizar a utilização de imóveis preservados e tombados do Largo do Boticário e o Solar dos Abacaxis, também no Cosme Velho. Pela proposta, eles poderiam ter uso diferente do permitido atualmente, restrito à moradia, e abrigar atividades de comércio e serviços.

Há duas semanas, o proprietário do terreno vizinho ao largo, Henrique de Brion, fazia uma avaliação do imóvel. Nos anos 1970, ele teve a casa da família e o antigo Hotel das Águas Férreas desapropriados para dar origem ao atual terminal de ônibus do Cosme Velho. Ele agora apresentará ao município um projeto de uso hoteleiro do restante de seu terreno:

— A ideia é criar casas integradas às árvores. O Largo do Boticário ganharia quatro bistrôs.