Censo feito em 1906 é relançado nesta quinta-feira com curiosidades sobre a história carioca

29/08/2013 - O Globo

Publicação do IPP mostra um Rio de diferenças e semelhanças em relação à cidade atual.

RIO - Tão longe e tão perto. Uma população carioca com os nervos à flor da pele protestos de rua refletiam a insatisfação com as políticas públicas (soa familiar?) foi surpreendida com um decreto, em 13 de junho de 1906, do prefeito Pereira Passos, anunciando a realização de um censo demográfico. Os moradores da capital estavam obrigados a prestar todas as informações, sob pena de multas pesadas. Com a cidade tomada por obras grandiosas (o que provocara uma avalanche de desapropriações) e ainda com a Revolta da Vacina na memória, os habitantes ficaram desconfiadíssimos sobre como as informações pessoais seriam usadas no futuro. Houve quem apostasse em aumento de tributação, convocação para o serviço militar, contestações sobre títulos de propriedade

Mas, alheio às desconfianças, o Censo de 1906 foi concluído na metrópole de 811.443 habitantes. Polêmico na época, é tido hoje como um trabalho inovador e uma obra rara e histórica sobre o Rio. Afinal, ele foi o primeiro realizado exclusivamente para a cidade, que até então, participara apenas de censos nacionais. E revelou dados, por exemplo, pouco dignos de uma capital federal: 37% dos habitantes acima de 15 anos eram analfabetos... Bem diferente de hoje, em que o analfabetismo não chega a 3%. A população era jovem (média de 40 anos) e, em sua maioria, masculina (57%). Hoje, as mulheres já somam 53%. Ah, sim, estamos mais velhos: média de idade de 73 anos.

Essa preciosidade, que tem apenas poucos exemplares originais preservados, está ao alcance agora do público curioso sobre o passado da antiga capital federal. Técnicos do Instituto Pereira Passos (IPP) passaram os últimos meses debruçados sobre a tarefa de reeditar o Censo de 1906, agora transformado em livro (R$ 55), que será lançado nesta quinta-feira na livraria do próprio IPP. Em breve, estará nas grandes livrarias.

A missão do IPP é recolher dados de diferentes fontes. Embora o país tenha tido censos anteriores, esse é o primeiro dedicado à cidade. Era nossa obrigação resgatá-lo. Encontramos um exemplar no IBGE. Trata-se de um trabalho técnico da melhor qualidade. Por isso, tão inovador elogia Fernando Cavallieri, um dos gerentes da diretoria de Informação da Cidade do IPP.

Ricos e pobres já dividiam o espaço

Longe de ser um amontoado de números e tabelas, esse trabalho, feito por pesquisadores renomados da época, é um relato aprofundado sobre o Rio, com fotografias, mapas, informações históricas (desde a fundação da cidade) e análises sobre os dados coletados. E traz deliciosas curiosidades, principalmente para um censo, no qual o sigilo das informações deveria ser prioridade: a obra reúne um capítulo dedicado aos moradores mais velhos da cidade, com direito a fotos e detalhes sobre a saúde física de cada um. Chamam a atenção os personagens centenários: Josepha Cherubina Macabri, com 106 anos. A sua prole é representada actualmente por 2 filhos, e 13 netos. Tem uma só vista e, apezar disto, vê bem. Ouve e anda bem. Goza boa saúde, descreve um capítulo da pesquisa.

Se no Censo de 1900 os dados sobre o Rio ficaram incompletos (a cidade passava por problemas de saúde pública), o recenseamento de 1906 foi não apenas decretado como acompanhado de perto por Pereira Passos, que aproveitou a pesquisa para incluir fotos de suas obras pela cidade.

Entre as peculiaridades estava o método de coleta dos dados: os moradores receberam as fichas em casa para que as preenchessem. Mas, como boa parte da população era analfabeta, a ajuda dos recenseadores era requisitada com frequência.

Cavallieri diz que há, sim, semelhanças entre as duas cidades a do passado e a de hoje , como a mistura de ricos e pobres dividindo os mesmos bairros, por exemplo. Porém, ressalta, as diferenças são mais evidentes. Uma delas é a movimentação de crescimento da capital em direção à Zona Norte, em decorrência do esvaziamento do Centro após a abertura das grandes avenidas. Essa migração ocorreu, principalmente, em direção a Inhaúma, Engenho Novo e Engenho Velho. Bem diferente de hoje, em que o Rio cresce para a Zona Oeste. E, falando em densidade populacional, o Rio de 1906 era a maior cidade do país. Perdeu o posto para São Paulo.

Não por acaso, o lançamento nesta quinta-feira do Censo de 1906 do Rio de Janeiro coincide com o 177º aniversário de nascimento de Pereira Passos. Este ano também acontece o centenário de morte do ex-prefeito da antiga capital federal.