Porto Maravilha: Programa de reformas

30/09/2013 - Valor Econômico 

O adensamento da ocupação e a valorização da região do porto do Rio de Janeiro devem proporcionar um considerável ganho de receita para a cidade. Só no ano passado, a região da intervenção urbana batizada como Porto Maravilha obteve arrecadação extra de IPTU de R$ 9,6 milhões, de acordo com Jean Caris, subsecretário de Planejamento e Modernização da Gestão da Casa Civil da Prefeitura do Rio de Janeiro. Para 2019, a estimativa de receita com Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) na região é de R$ 230 milhões, apesar das várias isenções fiscais que o projeto prevê para as unidades habitacionais. O valor corresponde a 15% dos cerca de R$ 1,5 bilhão que a prefeitura carioca arrecada por ano com o tributo.

O aumento de receita é um dos vários efeitos multiplicadores que o programa de revitalização da zona portuária carioca deve proporcionar, disse Caris durante o seminário "Porto Maravilha - Benefícios e Oportunidades", realizado pelo Valor na última quinta-feira, em São Paulo. A prefeitura projeta uma nova dinâmica econômica, urbana e social para essa área de 5 milhões de m2 - hoje considerada uma das mais degradadas do centro. O projeto prevê a recuperação e revitalização urbana em 15 anos - prazo do contrato de Parceria Público Privada firmado entre o município e a concessionária Porto Novo, união das construtoras Odebrecht Realizações Imobiliárias, OAS e Carioca Engenharia. Os investimentos previstos são de R$ 8 bilhões sem a participação de recursos municipais. A intervenção está sendo financiada pela venda de certificados de potencial adicional de construção (Cepacs). O título permite a construção, em áreas específicas e previamente autorizadas, de edificações maiores que o previsto na lei de zoneamento da cidade.

De acordo com Caris, a área licenciada para construção na região, que foi de apenas 17 mil m2 em 2008, um ano antes do primeiro mandato do prefeito Eduardo Paes (PMDB), cresceu gradativamente e multiplicou-se por dez no ano passado, chegando a 172,7 mil m2 licenciados. Com a evolução do programa, o crescimento tem sido ainda maior: chegou a 454 mil m2 licenciados de janeiro a agosto deste ano, mais de duas vezes e meia o total do ano passado.

"Estimamos que o valor geral de vendas de imóveis da região em 15 anos será de R$ 70 bilhões", afirmou Alberto Gomes Silva, presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp), a companhia de economia mista criada pela prefeitura para acompanhar a intervenção. A julgar pela amostragem da primeira obra residencial lançada, a posição estratégica da região vai despertar o interesse do público. O edifício residencial lançado - juntamente com três hotéis que somam mil quartos e três torres comerciais - vai disponibilizar 1.333 apartamentos. A prefeitura reservou mil unidades para os servidores municipais. Na abertura das inscrições dessas mil unidades apareceram dez candidatos por apartamento.

O interesse pelos empreendimentos de cunho comercial também se mostrou aquecido nessa primeira fase. De acordo com Daniel Villar, superintendente da Odebrecht, o primeiro lançamento comercial, com 330 salas de escritório, 350 quartos de hotel e 50 lojas foi inteiramente vendido em 48 horas. O executivo acredita que a região será valorizada por conta da perspectiva de crescimento da economia do Rio de Janeiro acima da média nacional nos próximos anos. O motivo são os grandes eventos - sobretudo esportivos, como a Copa do Mundo e Jogos Olímpicos - e pela nova onda de desenvolvimento da indústria de óleo e gás a partir da exploração do pré-sal. A própria Odebrecht está prestes a oficializar a transferência de todas as suas unidades no Rio para a área do porto. Hoje a construtora mantém escritórios espalhados por dez diferentes endereços na cidade.

A intervenção prevista na região segue a linha adotada em outras grandes cidades do mundo de voltar-se para as zonas portuárias e de valorização do centro. No caso do Rio, o projeto ajuda a resgatar uma área de valor histórico e cultural. A região tem vários edifícios tombados pelo patrimônio histórico e abriga aparelhos culturais importantes, como o Museu de Arte e o Teatro Municipal. Além disso, a região está estrategicamente a uma curta distância da zona sul, da rodoviária, da Linha Vermelha e dos aeroportos.

O presidente da Cdurp classifica a operação urbana Porto Maravilha como "um laboratório para o espaço urbano de uma cidade saudável". Segundo Gomes Silva, a revitalização vai interromper a tendência de o Rio fugir de sua área central.

O gerente nacional da Caixa Econômica Federal, Vitor Hugo dos Santos Pinto, responsável pela gestão do fundo de investimento que arca com os custos da operação revelou no encontro que até o ano passado 53% dos lançamentos imobiliários da cidade ocorreram no eixo Barra da Tijuca-Jacarepaguá, na zona oeste da cidade. Segundo o executivo, existe demanda para 8 milhões de m² de habitações populares na cidade. A região do Porto poderia responder por 2,5 milhões de m².

Para atrair esse público, a prefeitura oferece uma série de isenções, enquanto o consórcio responsável investe na implantação, revitalização e substituição da infraestrutura existente. A concessionária Novo Porto também responde pela manutenção da área - inclusive com a coleta de lixo - durante os 15 anos da concessão. A estrutura viária contará com 70 quilômetros novos, incluindo uma via expressa de 3,4 quilômetros, dos quais 2,8 quilômetros de túnel. Essa via está praticamente pronta e vai substituir o viaduto que hoje corta a área e que foi um dos responsáveis pela degradação ambiental e urbana.

A ideia é que a região priorize os pedestres e seja um espaço de convívio. Os projetos preveem a construção de ciclovias e bulevares. Segundo Ponte, haverá 44 mil m de passeio público. Para baratear as obras e desestimular o uso de veículos particulares, os novos edifícios estão dispensados da exigência de garagem.

A promessa é de que toda a área seja integrada ao sistema de transporte da cidade. Nas vias que já estão sendo entregues pela concessionária, por exemplo, um espaço já foi reservado par a circulação de um Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), a ser construído posteriormente e entregue até 2016. A região do porto está próxima a duas estações de metrô e da principal estação de trens metropolitanos do Rio, a Central do Brasil. Também está próxima do terminal de barcas que liga a capital a Niterói. O projeto do trem de alta velocidade (TAV), que ligaria o Rio a São Paulo, também prevê uma gare nas imediações. As interligações poderão ser feitas por VLT.

Também está prevista a instalação de uma rede de fibra ótica para 100% da área. O aluguel da rede para tráfego será oferecido a todas as operadoras de telecomunicações, disse José Renato Ponte, presidente da concessionária Porto Novo. A ideia é baratear o acesso a serviços como telefonia, internet e TV por assinatura, já que a intenção é ter na área do porto um amplo convívio entre diferentes segmentos sociais. Além da rede de fibra, toda a infraestrutura será aterrada: cabos de energia, redes de água e esgoto, gás etc. A concessionária vai usar uma tecnologia que permite mapear o subsolo por intermédio de tablets. Para saber por onde passa uma determinada rede, basta acionar o sistema e ele mostra, no local, onde se encontra o que se procura. Ponte garante que essa técnica porá fim à quebradeira desnecessária das ruas.

Desafio é conjugar habitação e atividade econômica

Transformar a região do porto carioca de um lugar de passagem em um ponto de encontro, em que as pessoas possam morar, trabalhar, conviver, realizar suas compras, ir ao cinema, ao teatro e restaurantes. A tarefa de revitalizar a região passa necessariamente pelo desafio de encontrar um equilíbrio que dê atratividade a ela, disseram participantes do seminário Porto Maravilha, promovido pelo Valor. Uma das formas de assegurar o sucesso da intervenção é promover uma mescla de finalidades para a região. Além de escritórios, existe a preocupação de atrair moradores. Hoje, a região conta com 32 mil moradores, mas poderia receber mais de 100 mil, estima a prefeitura da cidade.

O porto é, hoje, uma área degradada, violenta e sem atividade comercial relevante. Está repleta de galpões antigos, quase todos invadidos. Encontra-se ocupada por moradores de rua - grande parte vinculada ao consumo de crack. Permitir que a população circule em segurança depois das 19h e se disponha a viver e conviver na área requerer uma transformação capaz de torná-la dinâmica o bastante para atrair os novos empreendimentos com esse perfil.

Vitor Hugo dos Santos Pinto, gerente nacional da Caixa Econômica Federal e responsável pelo fundo de investimentos que custeia a intervenção urbana Porto Maravilha disse que será necessário atrair projetos que sirvam como âncora para o público. Não basta ter moradores, se eles tiverem de sair de lá para fazer suas compras, argumentou. A ideia, portanto é ter equipamentos como shoppings centers. Segundo ele, mobilidade e infraestrutura são importantes, mas centros de compra asseguram o fluxo de pessoas.

Daniel Villar, superintendente da Odebrecht Realizações Imobiliárias, também acha que a região precisa de um shopping, mas defendeu a instalação de outros equipamentos urbanos "menos óbvios", como na área de saúde - hospitais e centros de diagnóstico, por exemplo - e de educação: escolas, creches e universidades. Para ele, a diversificação das atividades vai permitir que a região não funcione apenas "de segunda a sexta-feira em horário comercial".

A intervenção terá, porém, que enfrentar o grande gargalo de tráfego que a região do porto representa, disse Luiz Carlos de Souza Lobo, diretor de operações da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp). Segundo ele, a área fica na confluência de tráfego de quem chega e sai da cidade por rodovia, pela Ponte Rio-Niterói e pelos aeroportos e linhas férreas. Ele acha que o investimento em mobilidade terá de ser ampliado.

Para Jean Caris, subsecretário de Planejamento e Modernização da Gestão da Casa Civil da Prefeitura do Rio de Janeiro, o programa representa "uma nova visão de desenvolvimento urbano e nova visão de desenvolvimento imobiliário". Caris elogiou o modelo de financiamento da intervenção, realizado por meio de Parceria Público Privada (PPP) em que todo o investimento é feito pela receita da venda de Cepacs (certificados de potencial adicional de construção), sem comprometer a capacidade de investimento do poder público municipal.

Leiloados pela primeira vez em 2011, os Cepacs adquiridos pelo fundo que administra a intervenção já se valorizaram. O fundo adquiriu os direitos por R$ 545 cada. Hoje cada um vale R$ 1.280, afirma o presidente da Cdurp, Alberto Gomes Silva. Só a valorização já alcançada seria suficiente para cobrir os custos de R$ 8 bilhões da intervenção e ainda remunerar as cotas do fundo, afirma o presidente da Cdurp. Do estoque de 6,4 milhões de Cepacs colocados pela prefeitura do Rio, um terço já foi negociado e convertido em obras.