Um começo promissor

11/09/2013 - Veja Rio

Sempre um PM, um guarda municipal e um agente da Comlurb — faz ronda na Praça Floriano, na Cinelândia: em busca dos sujismundos
Seja por efeito da conscientização coletiva, seja por temor de levar uma mordida no bolso (muito provavelmente, pelos dois motivos juntos), o fato é que o carioca vem sujando menos o espaço público. Em vigor no centro da cidade desde 20 de agosto, a operação Lixo Zero já apresenta resultados que dão esperança de virarmos um jogo que sempre nos foi desfavorável. É um início promissor. Nas duas primeiras semanas da medida, cujo preceito é aplicar multa a quem joga detritos no chão, as autuações vêm caindo dia a dia. Quem passa pela região que é o coração financeiro do Rio facilmente percebe que ela está mais limpa, e os números corroboram essa sensação. Na Avenida Rio Branco, por exemplo, houve queda de um terço no recolhimento do lixo (veja o quadro na pág. 44), um índice que pode ser estendido a toda a área central. Na terça passada, a iniciativa chegou a Copacabana. Por ser uma zona residencial, com grande movimentação inclusive nos fins de semana e repleta de cachorros nas calçadas, o bairro traz novos desafios para o programa. "Estamos animados", afirma Vinícius Roriz, presidente da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb). "Uma falha pode acontecer em um trabalho como este, que envolve mais de 600 pessoas, mas são detalhes perto do sucesso que estamos obtendo."

Pedestre é abordada durante a operação na região central: redução no recolhimento de lixo
A ronda repressiva é executada sempre em trios, que reúnem um agente da Comlurb, um guarda municipal e um policial militar, atuando de forma bem peculiar. Como não são autorizados a perseguir infratores em potencial (gente com cigarro ou papel na mão, por exemplo), os conjuntos ficam à espreita em locais estratégicos: nos acessos ao metrô, onde é proibido entrar fumando, ou próximo a lanchonetes. Nas duas primeiras semanas da operação no Centro, 95% dos flagrantes resultaram em multas de 157 reais, valor cobrado de quem atira no chão pequenos objetos, como guimba e papel, numa escala que pode atingir 3000 reais, de acordo com o volume do entulho. A autuação é registrada em um smartphone e emitida em uma microimpressora, e o infrator tem até o dia 10 do mês seguinte para quitá-la. "Estava atrasada para buscar minha filha na escola e acabei marcando bobeira", reconhece a servente Katia Teodoro de Souza, flagrada jogando um toco de cigarro na Cinelândia na sexta (30).
A despeito do resultado satisfatório, o Lixo Zero carece de ajustes. Na última segunda, não havia viatura para levar o músico chileno Fénix Spencer à delegacia, depois que ele foi pego atirando uma guimba na rua e sem documento. Outro ponto que merece reparo é o horário de funcionamento das operações, das 8 da manhã às 8 da noite, que não contempla o período de pico da produção de lixo na Lapa, um trecho boêmio por excelência. Segundo o presidente da Comlurb, está em estudo a ampliação do horário nesse pedaço. O que já foi confirmado é o desembarque do projeto nos bairros de Ipanema, Leblon e Lagoa na terça (10). Em seguida, estão nos planos Flamengo, Laranjeiras, Botafogo, Catete e Glória, e até o fim do ano ele deve chegar às zonas Norte e Oeste.
Se a cruzada contra a imundície nas ruas for bem-sucedida, ficaremos livres de um problema que historicamente degrada a cidade. "Quem vinha ao Rio no século XIX invariavelmente reclamava da sujeira", destaca o pesquisador Milton Teixeira. Ao morar no país de 1808 a 1818, o comerciante inglês John Luccock se disse enojado com as ruas da capital do Império. Sua conterrânea Maria Graham foi outra viajante que fez pesados relatos sobre o emporcalhamento que viu aqui. O panorama pouco mudou ao longo dos séculos. Após o último Carnaval, uma enquete da rádio BBC Brasil revelou que uma das principais reclamações dos turistas estrangeiros era a falta de limpeza das ruas e praias cariocas. Pouco antes, um levantamento feito pelo site TripAdvisor, especializado em viagens, mostrava que o Rio é a nona cidade mais suja do mundo entre quarenta avaliadas.
Além de ser uma demonstração de incivilidade e um atentado contra a higiene, largar detritos em qualquer lugar é prejuízo na certa. Só com a varrição das vias públicas o município gasta até 20 milhões de reais por ano. No entanto, o binômio educação-coerção renova o alento para mudar esse quadro, como demonstram outras metrópoles do planeta onde a punição dos sujismundos vigora há mais tempo. Em Paris, o mau hábito pode causar um rombo de 115 reais ao porcalhão. Na capital inglesa, o rigor é ainda maior. Um minúsculo chiclete lançado fora da cesta de lixo é passível de multa de 280 reais. Em Singapura, dependendo do caso, o valor vai de 650 a 6.500 reais. Por aqui, uma iniciativa semelhante, a Operação Lei Seca, que pune os motoristas alcoolizados, tem se mostrado um êxito sob todos os aspectos. O fundamental é que a lei venha para ficar. "Não se muda uma cultura apenas com um decreto. Mais importante do que penalizar é fazer com que as pessoas entendam a rua como um bem público, porque aí elas se tornam fiscais também", afirma o antropólogo Bernardo Conde. Mas que a dorzinha no bolso ajuda a entender a importância desse comportamento, disso não há dúvida.