Área de telefônica invadida deveria ter virado bairro

Prefeitura e Telemar não chegaram a acordo sobre terreno, que abrigaria um projeto similar ao de Triagem

Moradores da região se queixam de abandono

FERNANDA PONTES

5/04/14 - O Globo

Terreno onde ficava antigo prédio da Telemar foi invadido por cerca de 5 mil   famílias - Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo
Terreno onde ficava antigo prédio da Telemar foi invadido por cerca de 5 mil famílias - Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo

RIO - O terreno da Oi, invadido por centenas de famílias no último domingo, no Engenho Novo, seria vendido para a prefeitura. Um termo de compromisso de compra e venda, firmado entre a Telemar Norte Leste e a prefeitura no dia 6 de julho de 2012, mostrava as intenções do município em destinar o terreno à criação de um empreendimento similar ao do bairro Carioca, em Triagem. O documento, que foi assinado pelo prefeito Eduardo Paes, num evento no Rio que contou com a presença da presidente Dilma Rousseff, considerava também que "o governo federal, através do Ministério das Cidades, financiaria o programa Minha Casa Minha Vida".

Apesar da assinatura do documento, a venda não foi concretizada, pois o prefeito Eduardo Paes alegou que o preço era muito alto. O terreno ainda pertence à Telemar, que entrou na Justiça pedindo a reintegração de posse. A empresa obteve uma liminar na Justiça, que determina também a presença de agentes do estado e da prefeitura, como representantes das secretarias municipais e estaduais de Habitação e Desenvolvimento Social, para "oferecer apoio e orientação aos ocupantes da área", além da Polícia Militar e da Defensoria Pública.

Caso complexo

O despacho emitido pela Justiça determina ainda que seja realizada uma audiência especial no dia 8 de abril, às 13h, no Fórum do Méier, "tendo em vista a complexidade do caso, que envolve ações e responsabilidades de diversos órgãos estatais", e à qual deverão comparecer os responsáveis por órgãos públicos, como o 3º Batalhão da Polícia Militar, as Secretarias Municipais de Habitação e de Desenvolvimento Social, as Secretarias Estaduais de Habitação e Assistência Social e Direitos Humanos, o Corpo de Bombeiros, as Secretarias Municipal e Estadual de Saúde, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, as Procuradorias do Estado e do Município do Rio de Janeiro e o representante do Conselho Tutelar.

Na sexta-feira, o prefeito Eduardo Paes falou sobre a invasão. Segundo ele, trata-se de uma "ação organizada" e que a prefeitura dispõe de canais para oferta de moradias:

— Tivemos outras tentativas de invasão no Alemão e na Cidade de Deus. A gente viveu isso agora na Região Portuária, no Quilombo das Guerreiras. A gente tinha negociado há seis meses, o pessoal que estava lá saiu e ganhou casas novas, mas foi um tal de família invadindo. Quando nós demos o aluguel social, ninguém apareceu porque todo mundo tinha renda maior — disse. — Para mim, aquilo é uma ação organizada. Não estou dizendo que não tenham pessoas carentes, mas a prefeitura dispõe de canais adequados para a oferta de moradias. A gente não vai ficar passando a mão na cabeça de quem ficar invadindo área da posse.

Na sexta-feira, o camelô André Silva, de 35 anos, tentava retirar a água que invadiu o lote onde está erguendo um barraco na nova Favela da Telerj, como ficou conhecida a invasão dos prédios. Desde segunda-feira, quando soube por parentes que moram em uma favela próxima da invasão, André dorme em cima de uma tábua de madeira. A mulher e o filho de 1 ano estão na casa da família, em Piabetá:

— Eu moro numa área de risco. Minha casa fica no pé do morro, está ameaçada e mesmo assim sou obrigado a pagar aluguel. Toda vez que chove, fico preocupado — diz.

A diarista Jucilene Silva, de 40 anos, também tentava remover a água com uma garrafa plástica e demarcar o lote de 16 metros quadrados em que vai morar com o marido e o filho. Emocionada, ela diz que não pode pagar R$ 500 pelo aluguel de uma casa na "favela atrás de 21ª DP" (Bonsucesso).

— É muita humilhação não ter onde morar, não ter como pagar as contas — diz ela, com os olhos cheios d'água.

Histórias parecidas

As histórias dos novos ocupantes na Favela da Telerj são parecidas. A maioria diz ter onde morar, mas não consegue arcar com o valor do aluguel em favelas como Rato Molhado, Jacaré, Mandela e Pica-pau. São manobristas, diaristas, pedreiros e desempregados que esperam ser beneficiados por programas sociais como o Minha Casa, Minha Vida.
No labirinto de lotes com 16 metros quadrados cada, os novos ocupantes se viram como podem. Em cada espaço ocupado, eles escrevem seus nomes e alguns isolam a área com madeira, cerca e até cadeado. Nem os banheiros ficaram de fora e estão sendo loteados. A estimativa é que cerca de 8 mil pessoas estejam vivendo ali.

Enquanto a ação tramita na Justiça, as famílias que ocupam o local têm outras preocupações: tetos que ameaçam cair, bueiros abertos, andares altos sem paredes, além da presença de vetores de doenças, como caramujos africanos, lacraias e mosquitos. Para não ficarem no escuro, alguns dos invasores já começam a fazer ligações de luz clandestinas.

Maria José da Silva, conhecida como Zezé, de 54 anos, é uma das líderes da ocupação. Ela, no entanto, não mora ali. É apenas uma porta-voz do grupo e acha que o número de pessoas ocupando o terreno está ficando insustentável:

— Já estou apavorada com a quantidade de gente. E cada dia vai chegando mais. As vendas e o aluguel de lotes estão proibidas. Os governantes não fazem nada. Para não dar problema entre a gente, decidimos que os barracos são de quatro por quatro metros.

Como grande parte dos lotes fica ao ar livre, alguns vão para a casa de parentes. Outros dormem ao relento, se apertam em colchonetes e tábuas. Suzete, de 58 anos, conseguiu arrumar uma lona azul para cobrir as crianças à noite. Mãe de cinco filhos, ela pretende morar ali com os 26 netos e três bisnetos.

— Aqui de noite é um horror. É sapo, caramujo, rato. Aqui está cheio de bicho, mas eu não tenho para onde ir. Estou cada hora numa casa diferente. Vivo de favor — diz ela.

Comércio prospera

Há também casos como o de Letícia Lourenço, de 27 anos, mãe de João Miguel, que tem apenas 3 meses. Desempregada e separada do marido, ela está morando com o filho recém-nascido no loteamento.

Dos prédios, que antes da invasão eram frequentados por usuários de crack, não resta mais uma esquadria de alumínio. Antigos móveis de madeira estão sendo reaproveitados e toda a fiação, inclusive os fios de alta tensão que ficavam numa subestação, também não existe mais.
Como não possuem qualquer infraestrutura básica, como água e banheiro, ambulantes vendem água, refrigerante, sanduíche de queijo e mortadela e até cachaça — a dose custa R$2.

— Para carregar essa quantidade de material, só tomando uma dose de pinga mesmo — disse a vendedora, que tem uma birosca na favela do Rato Molhado.

Eduardo da Silva, de 48 anos, ocupou uma casa onde funcionava a antiga lixeira. Manobrista do Adegão Português, ele conta que vive no Jacarezinho. Ganha R$ 350 por mês, fora a gorjeta, e não consegue mais pagar o aluguel.

— Perdi minha esposa, que trabalhava, e agora sou eu e meus quatro filhos — diz.

Do lado de fora, a movimentação de caminhões carregados de madeira ainda é intensa. Cada tábua sai por R$ 20. Quem não tem dinheiro, arranca galhos de árvores da única área verde que ainda resta por ali. Ricardo Gomes pegou R$ 500 emprestados para comprar madeira, pregos e outros materiais para construir seu barraco. Já Rodrigo Moreira aproveitou para montar uma barraca para vender espetinhos de carne.

— Eu vim porque ninguém tem fogão. O pessoal está montando barraco e vai ficar com fome — disse, acrescentando que, se a polícia for expulsá-los com agressões, os invasores também vão reagir para proteger as crianças e mulheres que moram no local e não têm para onde ir.

Moradores: queixa de abandono

No entorno da nova favela, o clima é de medo e de insatisfação. Usuários de crack que consomem drogas do lado de fora do loteamento a poucos metros do carro da polícia militar contribuem para aumentar a sensação de insegurança. Moradores do Engenho Novo evitavam falar com a imprensa, com medo dos invasores. Alguns no entanto, reclamam do lixo acumulado nas ruas próximas ao terreno invadido.

O engenheiro mecânico Sérgio Grosso, que mora na Rua Vigilante Serafim, diz que está se sentindo refém tanto das pessoas que invadiram o terreno como dos governantes que ainda não os retiraram.
— Nós também fomos invadidos. A rua (Baronesa do Engenho Novo) está tomada de lixo. Tiraram nosso direito de ir e vir. Não conseguimos dormir e estamos muito apreensivos. Eles estão construindo casas, fazendo gatos. Estou com medo de explosões, incêndios, falta de luz e água — reclamou. — É muita gente e o governo não faz nada. A Polícia também diz que não pode fazer nada sem mandado judicial da Oi. Isso vai desvalorizar meu imóvel. Pedimos que o poder público tome uma atitude para evitar essa situação.

Desde segunda-feira, de acordo com a a prefeitura, equipes de garis da Comlurb já retiraram cerca de 25 toneladas de lixo do entorno da área ocupada pelos novos moradores.

Cerca de 5 mil pessoas invadiram um conjunto de prédios e galpões que pertenciam à companhia telefônica Oi na madrugada de segunda -feira.

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