Projeto do governo do estado para erguer muros em 12 favelas com UPPs empacou

Investimento de R$ 40 milhões foi executado parcialmente. Só o Dona Marta foi cercado, e parque virou limite na Rocinha

POR GISELLE OUCHANA, LUIZ ERNESTO MAGALHÃES E SELMA SCHMIDT

06/05/2015 - O Globo


Funcionários da prefeitura derrubam barracos construídos no Morro do Cantagalo - Divulgação / Subprefeitura da Zona Sul
 
RIO — O barulho no meio da mata denuncia a expansão irregular da Favela do Cantagalo, em Ipanema. Nos cálculos do presidente da associação de moradores do local, Luiz Bezerra, pelo menos 50 famílias ergueram casas em área de preservação ambiental, nos últimos anos. O Cantagalo é um exemplo de como estratégias do setor público para tentar conter o avanço das comunidades sobre o verde fracassam por falta de ações efetivas. Em 2009, o então governador Sérgio Cabral anunciou um plano para cercar com muros 12 favelas atendidas por Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). No entanto, o projeto seguiu os mesmos passos do programa Ecolimites, da prefeitura, e o investimento previsto de R$ 40 milhões foi executado apenas parcialmente pela Empresa de Obras Públicas do Estado (Emop): no Morro Dona Marta, em Botafogo, e na Rocinha, onde o muro acabou sendo substituído por um parque ecológico.

No caso do Cantagalo, a falta de investimento do estado se alia à precariedade da fiscalização da prefeitura, reclama Luiz Bezerra. Segundo ele, fiscais da Secretaria municipal de Urbanismo inspecionam e embargam obras irregulares, mas, muitas vezes, os responsáveis ignoram as interdições. Os quatro barracos erguidos na encosta em frente à Rua Barão da Torre, denunciados através do WhatsApp do GLOBO, no entanto, foram demolidos. Reportagem publicada na terça-feira no GLOBO mostrou que o programa Ecolimites, criado nos anos 2000, foi abandonado pelo município. O prefeito Eduardo Paes disse, em entrevista ao jornal, que o governo depende de denúncias para identificar irregularidades.

— O poder público tem que estar presente permanentemente nas comunidades — diz Bezerra. — A associação de moradores não tem como controlar.

No Dona Marta, antes da construção do muro, os limites eram demarcados por uma canaleta. A estrutura em concreto, com mais de 600 metros de comprimento, custou R$ 1,2 milhão e foi erguida em 2009. O muro está intacto, mas problemas provocados pela ocupação desordenada prosseguem. Em visita na terça-feira ao local, repórteres do GLOBO constataram que pelo menos 15 barracos foram erguidos entre a canaleta e o muro, num espaço originalmente destinado ao reassentamento de famílias. As invasões começaram há um ano. Bases para novas construções já estão sendo construídas no mesmo local.

Para o presidente do Movimento Popular de Favelas, William de Oliveira, sem fiscalização não há como conter o crescimento desordenado das comunidades. Ele propõe a criação de uma superintendência na prefeitura, equipada, para atuar de fato nas favelas.

— Os Pousos (Postos de Orientação Urbanística e Social), criados nas favelas, e as Regiões Administrativas têm pouca gente. Após deixar construir, retirar as pessoas é difícil.

PREFEITURA SE DEFENDE

Presidente da Federação da Associação de Moradores do Rio (Fam-Rio), Sônia Rabello de Castro entende que é dever do município fiscalizar tanto a expansão horizontal quanto a vertical das favelas. Ela criticou as declarações do prefeito Eduardo Paes de que só é possível fiscalizar o crescimento vertical por meio de denúncias:

— Desde 1992, as favelas são reconhecidas pelos Planos Diretores do Rio como áreas integradas à cidade. Se existem do ponto de vista urbanístico, têm que ter fiscalização permanente. Planejamento urbano não pode se dar apenas no asfalto.

Para dirigentes do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio (Crea-RJ) e do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-RJ), o tema é complexo e vai além da fiscalização.

— É importante ter políticas urbanas mais claras em relação à habitação e aos transportes. Há uma carência de habitação no Rio. Resolvendo-se a questão do planejamento, a fiscalização vai poder passar a atuar em cima de exceções — argumentou Jerônimo de Moraes, presidente do CAU-RJ.

Já o coordenador do programa de engenharia civil do Crea-RJ, Manoel Lapa, disse que a solução tem que passar pelo subsídio à construção de habitações em áreas com mais infraestrutura.

Apesar das críticas, a prefeitura garantiu que atua nas favelas. Por e-mail, informou que, em 2014, foram emitidos 343 embargos ou notificações e oito laudos de vistoria.E, de janeiro a abril deste ano, 148 embargos ou notificações e 25 laudos. Os casos são encaminhados à Secretaria da Ordem Pública, que, desde 2009, demoliu 674 construções irregulares em comunidades. Existem 30 Pousos que atendem a 73 favelas. Segundo a prefeitura, os técnicos fazem rondas e, ao ser constatada uma obra irregular, é aberto um processo de fiscalização e extraído um embargo ou notificação. Os Pousos também atendem a denúncias de moradores, de outros órgãos públicos e do canal 1746.

Em nota, a Emop não explicou por que o projeto dos muros foi abandonado.

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